“Se nos calarmos, pode acontecer de novo”. O desabafo do presidente Sérgio da Silva dá o tom dos atos organizados pela Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) para marcar os cinco anos de dor, saudade e luta por justiça. “Para que não se repita”. Nos dias 25, 26 e 27 de janeiro, uma série de atividades homenageou à memória dos 242 mortos e lembrou dos mais de 600 sobreviventes do incêndio na boate Kiss.
A programação teve início na quinta-feira (25), em um bate-papo com a jornalista mineira Daniela Arbex, autora do livro Todo Dia a Mesma Noite, realizado no Theatro Treze de Maio. A obra apresenta novas perspectivas sobre a tragédia, desde o ponto de vista dos familiares e sobreviventes, até o das equipes que trabalham no resgate e o dos profissionais de saúde que atuam no tratamento das vítimas. O livro é resultado de mais de um ano de pesquisa e cinco viagens a Santa Maria.
Na sexta-feira (26), ocorreu a pré-estreia do documentário Depois Daquele Dia, de Luciane Treulieb. A exibição foi realizada na Praça Saldanha Marinho, onde estiveram reunidos familiares, amigos e comunidade. O filme traz a perspectiva pessoal da diretora, irmã de João Aloísio Treulieb, uma das vítimas, abordando as relações desenvolvidas a partir da tragédia, os aprendizados, e como a vida seguiu a partir daquele momento.
Após a exibição, o público seguiu em uma caminhada iluminada por velas até o local onde funcionava a boate, na Rua dos Andradas. Lá, foram feitas orações, um momento com uma salva de palmas e o toque de uma sirene marcou o momento de início do fogo.
No sábado (27), a programação começou pela manhã, no Salão Azul da Unifra, com o lançamento oficial do Concurso Público Nacional de Arquitetura para o Memorial às Vítimas da Kiss. A realização é da AVTSM, da Prefeitura Municipal de Santa Maria e do Instituto de Arquitetos do Brasil no RS (IAB-RS). Na ocasião, foram detalhados o cronograma e as etapas do concurso.
À tarde, em função da chuva, as atividades foram transferidas da Praça Saldanha Marinho para o auditório do Colégio Marista Santa Maria. Por volta das 17h45, o corneteiro da 3ª divisão do exército (3ª DE) deu início às homenagens com O Toque de Silêncio.
A seguir, a jornalista Daniela Arbex deu um breve depoimento sobre seu livro, reforçando a importância de contar essa história para que jamais seja esquecida. “Se eu posso fazer algo por essa causa, é com o que eu sei fazer. É contando essa história”.
Subiram ao palco, na sequencia, Thiago Holzmann, do Instituto de Arquitetos do Brasil, e o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom. Thiago retomou informações divulgadas durante a manhã sobre o concurso. Segundo ele, o memorial será composto por um pequeno edifício, um monumento e uma praça.
O prefeito solidarizou-se com as famílias, salientou os esforços para a construção do memorial e destacou aquele como um momento de reflexão para que jamais aconteça algo semelhante.
No fim da tarde, foi assinado Termo de Cooperação entre a Prefeitura e o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), tendo a AVTSM e IAB-Rs como testemunhas, para auxiliar nas áreas de Saúde, Educação e no Memorial, com possível apoio para sua construção. Esteve presente o representante UNOPS, Davi Mello, que destacou a relevância da parceria. A secretária de Educação do município e coordenadora do Núcleo de Gestão Estratégica de Acolhimento, Lúcia Madrugada, explicou a importância da participação da ONU nesse processo. “Incluir a ONU na proposta de refletir e construir o Memorial às Vítimas da Kiss nos traz conforto e vai ajudar a transformar aquele local onde choramos, em um espaço onde vamos poder vivenciar outras emoções e sentimentos. Trazer a ONU significa trazer algo que é isento de interesses pessoais ou políticos”.
O diretor jurídico da AVTSM, Paulo Carvalho, foi o próximo a falar. Em sua apresentação, ele destacou a prevenção como a única saída para evitar histórias de tanta dor. “Tragédias não são fatalidades”. Paulo também criticou os vetos à chamada “Lei Kiss”, sancionada no ano passado pelo presidente Michel Temer. Segundo Paulo, pontos cruciais acabaram caindo com os vetos, como a proibição do uso de comandas – para ele, fato que aumentou o número de vítimas no incêndio –, e os pontos que responsabilizariam autoridades em casos como esse.
O momento seguinte de homenagens veio por meio de manifestações artísticas. Os primeiros a subirem ao palco foram os integrantes do Coral Illumina, que apresentaram canções em memória das vítimas, contando com a participação do cantor Beto Pires. Após, subiu ao palco a professora do Departamento de Dança da UFSM, Tatiana Joseph. Sua performance de dança e interpretação lembrou as 242 vítimas da tragédia. Para encerrar as apresentações, apresentou-se a Royale Escola de Dança.
Mesmo o tempo fechado não impediu a marcante e tradicional soltura de balões brancos pelos familiares. Reunidos no saguão em frente ao auditório do colégio, eles soltaram pelas janelas 242 balões em direção ao céu, como forma de homenagem aos filhos, pais, mães, irmãos, primos, sobrinhos e amigos que nos deixaram naquele dia 27.
Outro momento de grande emoção se deu na sequencia, quando três mães foram à frente do auditório e leram diversos textos de familiares endereçados a seus entes queridos vitimados pela tragédia. Mensagens de dor, saudade, esperança e apelos por justiça foram ouvidos por um público atento e emocionado.
Para encaminhar o encerramento das atividades, foi realizado um culto ecumênico, reunindo quatro representantes de diferentes religiões, que levaram mensagens de paz e conforto aos presentes.
O Memorial
Lançado oficialmente no dia em que a tragédia completou cinco anos, o concurso público nacional de arquitetura selecionará a melhor proposta para o Memorial às Vítimas. As inscrições foram abertas no dia 27 e seguem até dia 19 de março. As propostas devem ser entregues até 2 de abril e o resultado será divulgado no dia 10 no mesmo mês. A premiação está prevista para o dia 24.
Segundo o coordenador do concurso, Thiago Holzmann, do Instituto de Arquitetos do Brasil, a seleção obedecerá a critérios técnicos, mas também às necessidades manifestadas pelos familiares. “Esperamos que o Memorial seja um espaço de memória, respeito e acolhimento. A realização do concurso permite que seja escolhida a melhor proposta, sempre obedecendo a critérios técnicos, mas que também atenda aos anseios dos pais, familiares e sobreviventes e que sintetize o desejo a comunidade de Santa Maria.
Para julgar os projetos, teremos a avaliação técnica de uma Comissão Julgadora formada por cinco membros, todos arquitetos, mas também de uma Comissão de Classificação, composta por cinco familiares de vítimas e seis representantes da sociedade civil”, explicou.
Fonte: ASCOM UFSM – Foto: Reprodução TV Campus
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