O Supremo Tribunal Federal (STF) decide, até sexta-feira (1º), se faculdades brasileiras poderão ou não abrir vagas em cursos de Medicina sem “licitação” do governo federal. A decisão afetará o pedido de abertura de mais de 60.327 mil vagas de bacharelado na área no país – das quais 2.230 seriam ofertadas no Rio Grande do Sul.
Diferentemente de outras áreas do conhecimento nas quais basta aval do Ministério da Educação (MEC) para uma faculdade criar novo curso, a abertura de vagas em Medicina depende, desde 2013, de que o governo federal faça um chamamento público – como se fosse licitação – convidando instituições a ofertarem as aulas em determinadas regiões.
Na prática, o MEC pré-seleciona cidades onde uma graduação em Medicina pode ser aberta e quantas vagas serão disponibilizadas. Para fazer isso, o governo analisa se o Sistema Único de Saúde (SUS) da região tem infraestrutura com hospitais-escola, grande oferta de leitos e mesmo demanda de atendimento.
sso porque estudantes de Medicina precisam aprender a profissão não apenas em aulas teóricas, mas também durante práticas no dia a dia de hospitais e postos de saúde, sob supervisão de professores e preceptores (médicos mentores).
A exigência de análise e autorização do MEC para abertura de cursos de Medicina ocorre após a Lei do Mais Médicos, que deu as regras do programa de mesmo nome e também as diretrizes de oferta de novas vagas em graduações.
Passados cinco anos da criação do programa, o ex-presidente Michel Temer (MDB) estipulou, em 2018, que, durante os cinco anos anos seguintes, nenhum novo curso de Medicina seria criado, dada a oferta existente ser considerada alta.
A partir daí, faculdades entraram na Justiça com pedidos para liberação de 335 novos cursos de Medicina e 34 solicitações para aumentar vagas em bacharelados já existentes, segundo a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC informou à reportagem de GZH nesta segunda-feira (28). As solicitações são para 60.327 novas vagas de Medicina, das quais 57.743 são em cursos novos e 2.584 em graduações já existentes.
O argumento contra a exigência de “licitações” é de que o trâmite fere a livre-iniciativa. Hoje, há 391 cursos de bacharelado para formar médicos no Brasil – portanto, há chance de o país ter grande salto na oferta de vagas de Medicina.
Como pano de fundo da expansão dos cursos, estão as mudanças do Ensino Superior, com redução nas matrículas, e a maior lucratividade das graduação em Medicina, com mensalidades altas e grande número de interessados.
O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, que pede a abertura de novas vagas na Justiça, argumenta que “os editais têm funcionado como modo de restrição à concorrência, já que diminuem sensivelmente o número de instituições de ensino qualificadas que podem obter essa autorização”. Acrescenta, ainda, que a necessidade de “licitações” para novas graduações em Medicina favorece grandes grupos educacionais em detrimento de faculdades menores.
— Um grupo de instituições foi beneficiado, mas a maior parte do setor educacional foi prejudicada. Há indícios de que o Ministério da Educação escolheu um segmento em detrimento dos outros. No primeiro grande edital, as regiões Sul e Sudeste foram privilegiadas, incluindo grandes cidades, como São Leopoldo e Canoas, no Rio Grande do Sul — afirmou, durante sessão no STF, Dyogo Patriota, advogado do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (ABRUC).
De outro lado, a Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) é contra a expansão de novos cursos, sob o argumento de possível baixa qualidade de graduações com possibilidade de abertura.
— Nos últimos 10 anos, o Mais Médicos ofereceu, aproximadamente, 5 mil vagas, enquanto as liminares (judiciais) no MEC representam mais de 10 mil novas vagas de graduação. Ainda não há informações de como o Sistema Único de Saúde irá absorver toda a demanda criada pelas liminares, arriscando a faltar leitos disponíveis para que os estudantes se desenvolvam nas etapas de formação e especialização — afirmou a GZH Antonella Marques Consentino, sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados, que representa a ANUP.
Decisões do STF
O ministro e relator do processo, Gilmar Mendes, decidiu no início de agosto que a exigência do chamamento público para abertura de novos cursos de Medicina é constitucional. Também afirmou que as faculdades que já receberam autorização judicial para abrir cursos poderão manter as graduações, para não prejudicar os atuais alunos.
Em decisão favorável aos pedidos de expansão de vagas, Mendes decidiu que as instituições que enviaram boa parte dos documentos e que aguardam visita do MEC poderão seguir no processo de análise.
Ao longo desta semana, os outros 10 ministros da Corte votarão para expressar se concordam ou não com Gilmar Mendes. Na tarde desta segunda-feira (28), o ministro Edson Fachin emitiu voto no qual diz que a exigência é legal, mas discordou do relator: citou que novos cursos em fase de análise pelo MEC não devem ter autorização para funcionar – com exceção dos já criados após decisões judiciais e que mantêm alunos matriculados.
“Essas instituições, que sequer receberam até o presente momento autorização para funcionar cursos de medicina, assumiram o risco de ter a autorização (…) revertida”, escreveu Fachin.
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) é contra a abertura de novos cursos e quer fiscalizar a estrutura de possíveis novas graduações em solo gaúcho. A entidade chegou a entrar com ação para barrar a oferta de 480 vagas pela Ulbra, o que foi atendido pela Justiça.
— Temos preocupação com a criação de novas faculdades de Medicina. Nosso objetivo é fazer a fiscalização nos futuros hospitais-escola. Toda faculdade de Medicina precisa de um hospital-escola onde o futuro médico vai aprender, examinar pacientes e analisar exames. Estamos preocupados que vai ter uma abertura de muitas vagas a ponto de praticamente dobrar a quantidade de médicos formados nesse período — afirmou a GZH Carlos Sparta, presidente do Cremers.
Faltam, agora, os votos dos outros nove ministros do Supremo. O MEC afirmou por e-mail que “finalizado o julgamento de mérito que está em curso no plenário do STF receberemos orientações da Advocacia-Geral da União quanto à exata compreensão de suas implicações para a definição das diferentes fases dos processos judicializados”.
Fonte: GHZ