Uma preocupação constante das Instituições de Educação Superior (IES) é a desistência no meio do curso por seus estudantes, o que é tecnicamente denominado de “evasão”. Além de representar perdas nos âmbitos social, acadêmico e econômico, ela significa também um grande sofrimento emocional àqueles que, por algum motivo, precisam abandonar os seus cursos. Os fatores são múltiplos e precisam ser compreendidos.
A impressão geral que se formou atualmente é a de que, com a pandemia de Covid-19 iniciada em 2020, o quadro de evasão de estudantes universitários se agravou no país. A consulta às Sinopses dos dados do Censo da Educação Superior do MEC-INEP, entretanto, permite pensar que esta é uma meia verdade e que o fenômeno do abandono exige de nós uma reflexão mais cuidadosa e aprofundada.
Quando comparamos o comportamento das taxas de evasão de instituições públicas e privadas nos últimos 5 anos (2017-2021), notamos tendências bem diferentes, revelando que a evasão de estudantes acomete desigualmente essas IES. Os dados de 2022 ainda não estão disponíveis.
Na série histórica, é possível perceber a tendência de crescimento contínuo da taxa de evasão das IES privadas desde 2017, tendo sofrido uma elevação pronunciada no ano de 2018 (ascendendo quase 4 pontos percentuais), antes, portanto, da pandemia.
Já nas IES públicas, a taxa permaneceu constante entre 2017 e 2019 (16,5%), sofreu uma elevação significativa em 2020 (21,8%), quando teve início a pandemia, mas apresentou uma queda importante no ano seguinte (9,4%), mostrando que, depois do impacto inicial, a atuação das IES públicas foi eficiente para conter os danos da pandemia sobre a permanência estudantil, provavelmente por terem oferecido condições um pouco mais adequadas de acolhimento dos estudantes, apoio e manutenção dos professores e à continuidade dos estudos.
O último ano da série histórica (2021) mostra que a taxa de evasão chegou ao patamar de 38,8% nas IES privadas, o que equivale a uma perda de 2,19 e milhões de estudantes. Nas IES públicas, a perda representou 165 mil graduandos, com a taxa de evasão a 9,4%.
O fenômeno da evasão é bem complexo, deve ser melhor compreendido e duramente combatido com políticas institucionais e governamentais, se quisermos favorecer, de fato, uma oportunidade concreta de mobilidade social no país. De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, os brasileiros portadores de diploma superior ganham em média 2,5 vezes mais do que aqueles com diploma de nível médio. É a maior diferença salarial observada entre os 46 países analisados pela organização.
Outro movimento muito importante para compreendermos o fluxo de estudantes nos cursos de graduação é compararmos o número de alunos que ingressam na graduação e que concluem os seus cursos. Nesse sentido, a série histórica nos mostra um comportamento relativamente estável para as IES públicas, que tiveram uma perda de 7% de ingressantes em 2021, quando comparado ao ano de 2016, e uma perda de 11% de concluintes no mesmo período.
No caso das IES privadas, a situação é bem diferente. Ambas as curvas – de ingressantes e de concluintes – são ascendentes, revelando que o setor sustentou uma enorme expansão no período, oferecendo novas vagas e cursos, aumentando as matrículas. No entanto, se o número de ingressantes em 2021 é 40% maior que o registrado em 2016, o número de concluintes aumentou apenas 20%. Essa diferença mostra que a política de expansão das IES privadas concentra-se na captação de novas matrículas e que esses estudantes não necessariamente chegam a concluir os seus cursos, evadindo-se no caminho.
De um lado, as IES privadas têm produzido um contingente enorme de pessoas frustradas em seu propósito de obter qualificação profissional superior, ficando, em muitos casos, endividadas junto aos seus financiadores. De outro, o esforço concentrado na captação de novos alunos parece funcionar como mecanismo de elevação de lucros, com a captação de novos recursos em forma de matrículas e mensalidades dos primeiros meses/anos de graduação. Na balança para manter a lucratividade, as instituições privadas têm realizado demissão (algumas delas em massa) de docentes e funcionários, prejudicando a qualidade dos cursos, e ampliado suas apostas (e vagas) nos cursos EAD – em cenário desastroso, já discutido noutro artigo em nosso blog.
Não é novidade que as causas da evasão são de naturezas distintas e podem estar relacionadas. No âmbito pessoal, os estudante podem, por exemplo, ter feito escolhas equivocadas dos cursos, ter relações tensas de ensino-aprendizagem, com dificuldade de adaptação à vida universitária, podem sentir incompatibilidade entre a vida acadêmica e as demandas do mundo do trabalho ou mesmo descobrir novos interesses que os levem à busca por outras profissões.
No âmbito institucional, a evasão pode estar relacionada, entre outros fatores, a cursos desatualizados ou que ofereçam uma matriz curricular repleta de pré-requisitos, impedindo estudantes de avançarem em seus cursos, critérios de avaliação/aprovação obscuros, ausência de formação de professores para a docência, ausência de programas institucionais para elevar a qualidade da formação e a permanência dos estudantes.
No que toca a causas externas, a evasão pode estar relacionada ao mercado de trabalho, ao reconhecimento social da carreira/profissão escolhida, às dificuldades financeiras, à ausência de políticas públicas consistentes e continuadas. Fatores potencializados pela crise econômica brasileira que se prolonga por quase uma década.
Esses elementos mostram como é necessário conhecer melhor o fenômeno, mas principalmente oferecer programas de assistência e permanência estudantis, como bolsas de auxílio, investindo em ações voltadas à redução dos indicadores de evasão, medidas fundamentais principalmente para estudantes provenientes de famílias pobres.
Além disso, precisamos zelar por uma educação superior de qualidade ao invés de fomentar um processo de expansão que priorize apenas o acesso (e o lucro, para as instituições privadas, em especial os grandes grupos financeirizados) e que pouco se importe com a permanência e a conclusão dos estudantes. É urgente que o país reestabeleça um rigoroso processo de regulação da Educação Superior e de apoio à permanência dos estudantes.
Constituir uma educação superior de qualidade não se restringe à abertura de vagas e ampliação de matrículas, é preciso garantir uma formação qualificada e o acompanhamento e apoio a cada estudante, como cidadão e não apenas como consumidor, para superar desafios e dificuldades, e tornar-se um profissional capaz de fazer diferença para um futuro melhor para si e para o país. A crise brasileira e o fundo do poço em que chegamos estão intimamente ligados à dificuldade em formar, no mais alto nível, as novas gerações.
Fonte: Folha de S. Paulo
Autores: Maria Angélica Minhoto, Soraya Smaili e Pedro Arantes