Startup de impacto social Alpha EdTech tem foco em jovens em situação de vulnerabilidade, para ajudar a reduzir déficit de profissionais em tecnologia; inscrições abrem na sexta, 6
Nascido e criado em São José dos Campos (SP), Roger Pina, de 20 anos, é um dos poucos entre os seus amigos de infância que conseguiu ingressar em uma graduação. Filho de um professor de educação física e uma empregada doméstica, atualmente ele mora na capital paulista, onde cursa o 6º semestre de engenharia de computação no Insper. Mas, até poucos anos, ele nem imaginava que essa viria a ser a sua realidade.
Inspirado em histórias de jovens como Roger, o Instituto Alpha Lumen, com o apoio da Fundação Brava, da Fundação Behring e de André Street, cofundador da fintech Stone, criou uma nova escola de programação no Brasil que irá remunerar o aluno para estudar. Com metodologia própria, a Alpha EdTech, como foi batizada, ainda garantirá emprego ao estudante ao final dos três semestres de curso.
As inscrições para o processo seletivo da turma piloto começam na próxima sexta-feira, 6, quando ocorrerá o lançamento oficial da escola em evento pela internet. Serão 48 vagas disponíveis para todo o País. Para participar é necessário apenas ter concluído o ensino médio e não há limite de idade. As aulas serão online e começarão em janeiro.
“De onde venho, muitos conhecidos precisaram largar a escola ou nem iniciaram a graduação para poder trabalhar. Os poucos que hoje vejo em universidades são os que conseguiram aproveitar oportunidades”, conta Roger, que viu sua vida mudar após cursar o ensino médio no Projeto Escola do Alpha Lumen, onde teve o primeiro contato com programação.
“Passei no processo seletivo e, com o apoio do instituto, fui apadrinhado pelo André Street, da Stone, que investiu nos meus estudos”, conta. Roger foi aprovado no vestibular do Insper como bolsista, o que permitiu sua mudança para a capital paulista. Hoje, também faz parte do corpo técnico da Alpha EdTech, ajudando a formular as aulas e a ementa do programa.
Além de capacitar e promover a inclusão de jovens em situação de vulnerabilidade no mercado de trabalho, a startup social nasce com a proposta de ajudar a reduzir o déficit de mais de 300 mil profissionais digitais no Brasil estimado para 2024. É o que informa o estudo desenvolvido pelo Centre for Public Impact (CPI) em parceria com a Fundação Brava e o BrazilLAB.
Não por acaso, houve um boom de escolas de programação no Brasil nos últimos anos. Entre as mais conhecidas estão a École 42, cujo ensino é gratuito, a Trybe e a Kenzie Academy, que são baseadas no modelo americano de financiamento estudantil ISA (Income Share Agreement), no qual o pagamento do curso ocorre após o aluno estar empregado.
Porém, ainda de acordo com o estudo, intitulado ‘Como o Brasil pode ampliar o ecossistema de profissionais digitais?’, os custos financeiros das formações e capacitações são vistos como os maiores obstáculos para as pessoas prepararem sua carreira.
“Quem está em situação de vulnerabilidade precisa de soluções rápidas que tragam transformação e oportunidade. Antes de tudo, necessitam sobreviver e por isso não têm condição de ficar de quatro a cinco anos na faculdade”, ressalta Nuricel Villalonga, CEO e fundadora do Alpha Lumen, instituto que atua na geração de impacto social, por meio de projetos voltados à educação e ao apoio a talentos.
“O modelo que desenvolvemos permite que ele se dedique integralmente aos estudos, o que vai agilizar o processo de formação”, completa Nuricel.
Ajuda de custo e primeiro emprego
Quem ingressar na Alpha EdTech receberá, desde o primeiro semestre, um auxílio mensal no valor de R$ 1 mil. De acordo com Letícia Piccolotto, presidente da Fundação Brava, foi necessário um investimento inicial no valor de R$ 500 mil, viabilizados pelos fundadores, para a estruturação da escola, que é uma organização sem fins lucrativos.
“No estudo, mapeamos mais de 30 experiências internacionais em 14 países e a Alpha EdTech foi uma das soluções encontradas, de curto prazo, que pode ser priorizada rapidamente com investimento considerado baixo. Isso porque, além de formar profissionais, a escola promove uma interação entre os setores público e privado e a academia, para a articulação de uma agenda nacional, algo que já acontece mundo afora”, afirma Letícia, que também é CEO e fundadora do BrazilLab, o primeiro hub de inovação GovTech do Brasil.
Para Roger, a iniciativa abre oportunidades para aqueles que querem crescer e não têm condições. “Foi o que aconteceu comigo. Fico feliz de também poder fazer pelos outros”, diz ele, que sonha em comprar uma casa para a família e trabalhar em grandes empresas de tecnologia, como Microsoft e Google.
Sonhos estes que, na opinião do ‘padrinho’, André Street, têm tudo para serem alcançados. “O Roger é um garoto fantástico, bem formado emocionalmente e academicamente, um exemplo.”
Para que a formação do aluno esteja de acordo com as habilidades requisitadas no mercado, a metodologia da Alpha EdTech será feita por trilhas, que abrangem desde as áreas de desenvolvimento técnico em programação até soft skills ou competências comportamentais. A grade ainda conta com projetos práticos em empresas parceiras e horários de estudo livre.
“Vamos selecionar pessoas que têm potencial ou grande determinação e fazer um trabalho socioemocional, ampliando o mindset (mentalidade), as soft skills e prestando assistência social para que ele vá em pé de igualdade com qualquer outro profissional no mercado. É uma gama de suportes que é pouco comum nas demais escolas de programação”, destaca Nuricel.
Para a trilha de soft skills, os conteúdos serão divididos em blocos de desenvolvimento pessoal e carreira. O primeiro tratará de temas como projeto de vida, inteligência emocional, ferramentas para a produtividade, inovação, empreendedorismo e novas competências. Depois, o foco recai sobre as demandas do mercado e processos seletivos.
Essas habilidades, para além da técnica, já são prioridades na escolha de candidatos por parte dos recrutadores em empresas de tecnologia, como a Stone – fintech de serviços financeiros e de pagamentos.
“É muito importante associar o processo de aprendizado à vida empresarial. Queremos conhecer os anseios das pessoas. O que mais nos interessa é a vontade de se desenvolver”, afirma André Street, cofundador da Stone.
Segundo ele, a área de tecnologia vai empregar a grande maioria dos jovens nas próximas décadas. “O investimento agora é exatamente direcionar a formação para as habilidades das profissões do futuro. Tornar a área de tecnologia mais acessível vai facilitar às empresas e aos governos conseguirem esses profissionais”.
Foto: Werther Santana/Estadão
Fonte: Estadão