Em entrevista, Manoel Águimon Pereira Rocha, professor do curso de Direito da UCB, explica o que levou o Goleiro Bruno a ter liberdade provisória e faz uma análise de conjuntura do sistema prisional do País
Bruno Fernandes de Souza, mais conhecido como Goleiro Bruno, responde por um crime de grande repercussão: o assassinato e a ocultação de cadáver de Eliza Samudio, sua ex-namorada, e também pelo sequestro e cárcere privado do filho Bruninho. Seis anos e sete meses após a condenação em primeira instância, a 22 anos e três meses de prisão, o goleiro Bruno foi solto por uma decisão do Supremo Tribunal Federal – STF. E, com contrato assinado com o time Boa Esporte, de Minas Gerais, em breve, o goleiro voltará aos gramados. A liberdade provisória concedida ao goleiro no dia 24 de fevereiro, por decisão do ministro Marco Aurélio Mello, voltou a ser tema de discussão e o professor do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília (UCB) e Advogado Criminalista, Manoel Águimon Pereira Rocha, especialista em Direito Penal, explica o que levou o juiz a tomar essa decisão nesse processo. “A morosidade do julgamento”, como diz o especialista, reflete uma realidade vivida não só pelo goleiro Bruno, mas por muitos detentos que lotam o sistema prisional do país.
Professor Águimon, baseado em quais critérios o juiz concedeu a liberdade do goleiro?
Primeiramente, é importante entender que existem diferentes definições de prisão. Existe a que chamamos de “prisão-pena”, que decorre de uma sentença penal condenatória transitada em julgado e há outras prisões que podemos classificá-las como “prisão provisória”, na qual temos a prisão em flagrante, que depois é convertida em prisão preventiva e a prisão temporária. O goleiro Bruno se encaixava na prisão provisória. Porque embora ele tenha sido condenado pelo Tribunal do Júri a uma pena somada de mais de 22 anos, ele recorreu dessa sentença ao Tribunal de Justiça, por meio do recurso de apelação. E, até o presente momento, mesmo sendo a condenação do ano 2013, essa apelação não foi julgada. Esse recurso está pendente no Tribunal de Justiça até hoje, e, em virtude de estar em uma prisão provisória, o Supremo entendeu que esta prisão, embora não tenha prazo definido, não pode se estender Ad Eternum (eternamente). O Ministro Marco Aurélio concedeu a liberdade ao Bruno por entender que o prazo para julgamento da apelação estava desarrazoado, totalmente incompatível com os princípios da celeridade processual, dignidade da pessoa humana e estado de inocência.
A liberdade era um direito dele?
É direito dele, pois, em 2004, houve a chamada reforma do poder judiciário com a Emenda Constitucional nº 45 que constitui como garantia de todo ser humano a razoável duração do processo (julgamento rápido). Por isso, o ministro entendeu que um processo, especificamente com quase quatro anos no Tribunal, para apreciação de um recurso de apelação era totalmente incompatível com os princípios de celeridade e da dignidade da pessoa humana. Que era uma violação aos direitos humanos ter uma pessoa presa de forma provisória por seis anos e sete meses. Veja-se que o Bruno não pode nem ser considerado culpado por ele não ter sofrido uma sentença penal condenatória transitada em julgado.
Então, o goleiro Bruno é inocente?
Ele ainda é considerado inocente. A Constituição no artigo 5º, inciso LVII, diz que “ninguém será considerado culpado enquanto não lhe sobrevier uma sentença penal condenatória transitada e julgado”. A sentença dele é provisória e eventualmente poderá (ou poderia) ser reformada por algum Tribunal. Não digo que ela será reformada, porém é passível de ser reformada enquanto não houver o trânsito em julgado. O importante é frisar que enquanto couber recurso ele é preso de forma provisória e, assim, ele não pode ser considerado culpado. É considerado inocente. Isso não cabe exclusivamente ao Bruno. Qualquer um de nós, eu ou você, qualquer pessoa que cometer um crime não pode ser considerada culpada até que haja uma decisão judicial transitada em julgada, porque os princípios da dignidade humana e da não culpabilidade é inerente a todos, por ser uma garantia constitucional. No caso do goleiro, há um erro quanto à morosidade. Não há justificativa dentro do processo penal que uma apelação demore tanto tempo a ser julgada.
O que implica toda essa morosidade ao julgamento?
Eu não tenho acesso ao processo e não tenho como respondê-la o porquê desse recurso de apelação não ter sido julgado pelo Tribunal de Justiça. Mas, no caso dele, por se tratar de um crime hediondo, que é o crime considerado de extrema gravidade, o processo recebe (ou deveria receber) um tratamento mais cuidadoso do que as demais infrações penais, em especial pela repercussão social do crime. E não obstante tenha cometido um crime, ele também tem resguardado suas garantias constitucionais. O habeas corpus foi o meio legítimo para cessar o constrangimento ilegal do acusado, pois se trata de uma garantia constitucional legítima. E novamente eu reforço, o goleiro Bruno tem direito ao recurso de apelação por ser uma garantia constitucional e processual. Ele manejou o recurso, logo, tem direito a uma decisão judicial. Quer lhe seja favorável ou não. Mas essa decisão não veio; e, por ausência dessa decisão, ele continuou sendo preso provisório. E, como preso provisório, o ministro Marco Aurélio entendeu que seis anos e sete meses era uma anomalia que deveria ser cessada pela concessão da liberdade, que ocorreu pela via do habeas corpus.
Com essa liberdade ele pode viver normalmente ou a justiça implica em algo relacionada a voltar ao futebol?
A liberdade foi concedida sob condições. E uma das condições foi a fixação de residência. Ele não pode se mudar ou alterar a residência sem comunicar à justiça. Ele também terá limitação de horários e de frequentar certos lugares, até a contratação dele, certamente passou (ou passará) pela aprovação juiz, porque haverá viagens entre municípios e Estados, o que dependerá de autorização judicial. Qualquer descumprimento às imposições impostas pela justiça poderá ocasionar a revogação da sua liberdade, com posterior retorno ao cárcere.
Professor Águimon, em relação à crise nos presídios, nós podemos atribuir a superlotação à morosidade da justiça?
A morosidade, hoje, lota o sistema prisional. O sistema prisional do DF tem, atualmente, mais de 16 mil presos. É mais do que o dobro da capacidade. E a maioria desses presos é de presos provisórios. No que diz respeito ao preso provisório, a morosidade da justiça é um fator determinante. São prisões excessivamente longas, processos que tramitam de forma morosa e, enquanto isso, o suposto autor aguarda no presídio a uma decisão judicial. E por que esses processos demoram tanto? Às vezes por inúmeras diligências realizadas pela polícia ou requeridas pelo ministério público, pelo número considerável de testemunha arroladas pelas partes e principalmente pelo volume de processos que abarrotam o judiciário. O judiciário é moroso por inúmeras condições, mas, sobretudo, pelo volume de serviço. O volume de ação penal, hoje, é muito grande, e cada juiz tem uma carga de trabalho enorme. O sistema prisional é construído para um número “x” de presos, só que o número de crime é muito maior. Alguns estudos mostram que nas audiências de custódias quase 70% dos acusados têm permanecido preso. Isso infla o sistema prisional. Então, nós poderíamos minimizar essa crise do sistema prisional com celeridade no julgamento dos processos e penas alternativas.
Como seriam essas penas alternativas?
A aplicação de penas alternativas seria uma solução para esses crimes considerados de menor gravidade e que fossem cometidos sem qualquer tipo de violência, como pequenos furtos, que poderiam ter uma política de medida alternativa, cujo objetivo fosse a ressocialização do infrator. Reinseri-lo na sociedade. Oferecer educação e trabalho para ele como forma de evitar a prisão. Por exemplo, se considerarmos um jovem que acabou de completar 18 anos e comete um crime. Ele já saiu da idade para ser penalizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e talvez seja uma pessoa que nunca trabalhou na vida, não se sabe qual é a condição social e familiar desse garoto, não se sabe como esse jovem foi criado e até por um desafio entre jovens, como forma de demonstração de força em um determinado grupo, vem a praticar um pequeno furto. Por ele ter 18 anos vai para o sistema prisional junto com pessoas que tem condenação de 10, 20, 30 anos e por crimes graves. Ele sai inexperiente da rua, vai para um sistema prisional totalmente falido e o que vai acontecer com ele? Certamente entrará no mundo que chamamos de “escola do crime ou faculdade do crime”. Qual o objetivo da execução penal? Prevenir para que ele não cometa mais crimes e ressocializá-lo, mas dessa forma isso não acontecerá.
De forma prática, como isso poderia ser resolvido?
Existem sistemas prisionais de referência, inclusive no Brasil, com o foco na profissionalização, nos estudos e no trabalho, para que essa pessoa que tenha cometido um delito possa pagar sua pena e entender que o crime não compensa e para isso busque aprender uma profissão para trabalhar de forma honesta (lícita). E o preso que tem o chamado “saidão”, que é um benefício em virtude do seu bom comportamento dentro do sistema prisional, por que ele não pode trabalhar pelo menos um dia em obras públicas? Tem muita escola pública necessitando de limpeza, pintura, conserto de cadeiras, dentre tantos outros serviços. É importante lembrar que a maioria dos presos são negros, semianalfabetos, sem profissão definida, com problemas familiares e sem uma crença ou fé definida. E, por que ele mata? Porque ele não sabe o valor da vida, para ele tanto faz matar, porque ele não tem valores morais, familiares, educacional etc. Por exemplo, hoje em dia, nós estamos discutindo muito os crimes sexuais, sobretudo os alarmantes números desses crimes que são noticiados diariamente, contudo não seria a hora de pararmos para pensar qual é o real problema dessa pessoa que comete esses crimes tão nojentos e repugnantes? Será que ele não tem um problema psicológico ou psiquiátrico? Será que ele não tem um trauma de infância. Ele não vai ser curado na prisão. Ele vai voltar pior, e a sociedade não aceita o seu retorno, porque certamente irá cometer, novamente, um crime sexual. Veja que são questões importantes que a sociedade deve enfrentar, porque ninguém admite que seu filho, ou filha, ou esposa seja vítima de um crime dessa natureza.
Então, qual é a finalidade da pena?
Punir pela infração cometida e ressocializar o criminoso. Mas como fazer isso? Fazendo uma análise invertida, podemos supor que se temos 85% de reincidentes (pessoas que praticam novo crime e voltam para o presídio), apenas 15% se reestabeleceram. Ou seja, a cada 100 pessoas que saíram do sistema prisional apenas 15 conseguem se estabelecer socialmente e 85 voltam para o mundo do crime. Nós temos um volume muito grande de questões criminais graves, mas eu volto a dizer: não adianta só prever pena. Não adianta só punir. Eu tenho que pensar em ressocializar. Isso não quer dizer que o presídio não é importante. Pelo contrário, é muito importante, mas falta dignidade no sistema. Pense em 45 homens na mesma cela de 6 metros quadrados, sem condições mínimas de higiene básica, intimidade e descanso, porque o sistema prisional hoje não garante isso. Antes de pensar na construção de presídios deveria se pensar em buscar efetivamente a ressocialização desse preso por meio da educação e do trabalho. O poder legislativo cria leis duras. Ninguém pode reclamar de leis no Brasil, existem muitas. Temos um poder judiciário efetivo, mas ainda moroso por inúmeras questões, uma polícia efetiva, o Ministério Público efetivo, mas ainda preocupado com a punição. Acredito que já passou da hora de uma discussão mais efetiva e aberta acerca do sistema prisional e de punições no Brasil, para voltar o olhar para educação de nossas crianças, como forma de evitar os crimes, porém quando ocorrer o delito, pensar também na ressocialização do condenado como forma de diminuir a reincidência criminal, pois do contrário continuaremos com esse caos social e penitenciário.
Fonte: Assessoria de Comunicação da UCB – Foto: Faiara Assis/UCB
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