O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou neste domingo (29) que o governo federal descumpra regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para realizar fatos não previstos com ações de combate ao coronavírus.
Moraes atendeu pedido feito na noite de quinta-feira (26) pela Advocacia Geral da União (AGU), que queria a flexibilização de quatro artigos da LRF e da lei orçamentária.
Ele concedeu liminar (decisão provisória) para, “durante a emergência em saúde pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de covid-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de covid-19”.
Na decisão, o ministro afirmou que a pandemia exige medidas governamentais rápidas.
“O desafio que a situação atual coloca à sociedade brasileira e às autoridades públicas é da mais elevada gravidade, e não pode ser minimizado. A pandemia de covid-19 (coronavírus) é uma ameaça real e iminente, que irá extenuar a capacidade operacional do sistema público de saúde, com consequências desastrosas para a população, caso não sejam adotadas medidas de efeito imediato, inclusive no tocante a garantia de subsistência, empregabilidade e manutenção sustentável das empresas”, escreveu.
Na quinta, o presidente Jair Bolsonaro disse que, caso obtivesse uma liminar (decisão provisória) do STF, editaria uma medida provisória (MP) de cerca de R$ 36 bilhões para a economia.
Isso porque, segundo o governo, as medidas de estímulo à economia e ao emprego a serem tomadas para fazer frente à crise do coronavírus vão provocar gastos públicos além dos já previstos nas leis orçamentárias – o que pode fazer com que o governo descumpra as regras da LRF e da LDO se não houver o entendimento de que as exigências não valem para estes gastos específicos.
Para que o governo seja dispensado de apontar a fonte dos recursos para cobrir as despesas, será necessário que o STF fixe uma interpretação específica para quatro artigos da LRF e para um artigo da LDO 2020.
Os artigos em questão da LRF estabelecem que despesas obrigatórias de caráter continuado (ou seja, aquelas para investimentos em programas e políticas públicas) só podem ser feitas se o governo seguir as seguintes exigências:
- ter estimativas de impacto financeiro e orçamentário, tanto no ano em que a despesa entra em vigor quanto nos dois anos seguintes;
- estar de acordo com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que são as lei que fixam as bases para a elaboração do Orçamento;
- ter seus efeitos financeiros compensados nos anos seguintes pelo aumento de receita ou redução de despesa.
Entre as medidas informadas pelo governo na ação ao Supremo e que serão adotadas estão:
- auxílio emergencial (abono) para os trabalhadores informais, com estimativa de impacto entre R$ 15 e 20 bilhões;
- pagamento de percentual do valor do seguro-desemprego para trabalhadores formais, em caso de suspensão de seus contratos;
- a distribuição de alimentos para idosos a ser implementado pelo Ministério da Cidadania, uma vez que a atual legislação do Programa Bolsa Família impede a concessão de novos benefícios para este programa;
- dentre outros programas de redistribuição de recursos, cujo aumento de despesa não poderia ser compensado nos termos em que exigido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Na sua decisão, Alexandre de Moraes afirmou que os artigos não serão aplicados “durante a manutenção do estado de calamidade pública”. E estendeu a possibilidade de descumprimento dessas regras a governos estaduais e municipais que tenham decretado estado de calamidade pública.
O governo apontou ao Supremo que a incidência desses artigos no atual momento poderia violar o direito à saúde e que o artigo 65 da LRF, que autoriza medidas em situação de emergência, “não seria suficiente para garantir a celeridade decisória exigida pelo cenário vigente”.
Alexandre de Moraes foi designado para o caso porque é relator de outras ações em andamento na corte sobre a validade da LRF. Ele já votou pela validade de alguns desses artigos que o governo agora quer flexibilizar.
Na decisão, o ministro relata que os artigos garantem responsabilidade fiscal. “A responsabilidade fiscal é um conceito indispensável não apenas para legitimar a expansão de despesas rígidas e prolongadas sob um processo deliberativo mais transparente, probo e rigoroso”. Defendeu que a LRF garante transparência e prudência fiscal.
Mas destacou que “há, porém, situações onde o surgimento de condições supervenientes absolutamente imprevisíveis afetam radicalmente a possibilidade de execução do orçamento planejado” e lembrou que a própria LRF prevê um regime emergencial em caso de calamidade pública.
Para o ministro, a pandemia torna, “por óbvio, lógica e juridicamente impossível o cumprimento de determinados requisitos legais”.
“O surgimento da pandemia de covid-19 representa uma condição superveniente absolutamente imprevisível e de consequências gravíssimas, que, afetará, drasticamente, a execução orçamentária anteriormente planejada, exigindo atuação urgente, duradoura e coordenada de todos as autoridades federais, estaduais e municipais em defesa da vida, da saúde e da própria subsistência econômica de grande parcela da sociedade brasileira, tornando, por óbvio, logica e juridicamente impossível o cumprimento de determinados requisitos legais compatíveis com momentos de normalidade.”
Ele completou que afastar esses artigos “não conflita com a prudência fiscal e o equilíbrio orçamentário”, porque, argumenta, não serão feitos gastos baseados em “propostas legislativas indefinidas, caracterizadas pelo oportunismo político, inconsequência, desaviso ou improviso nas finanças públicas, mas, sim, gastos orçamentários destinados à proteção da vida, saúde e da própria subsistência dos brasileiros afetados por essa gravíssima situação”.